segunda-feira, dezembro 31, 2012

Este não é para rir - é para pensar- Artigo de António Bagão Félix



Aprovado o OE 2013, Portugal arrisca-se a entrar no "Guinness Fiscal"


por força de um muito provavelmente caso único no planeta: a partir de


um certo valor (1350 euros mensais), os pensionistas vão passar a


pagar mais impostos do que outro qualquer tipo de rendimento,


incluindo o de um salário de igual montante! Um atropelo fiscal


inconstitucional, pois que o imposto pessoal é progressivo em função


dos rendimentos do agregado familiar [art.º 104.º da CRP], mas não em


função da situação activa ou inactiva do sujeito passivo e uma


grosseira violação do princípio da igualdade [art.º 13.º da CRP].




Por exemplo, um reformado com uma pensão mensal de 2200 euros pagará


mais 1045 € de impostos do que se a trabalhar com igual salário (já


agora, em termos comparativos com 2009, este pensionista viu aumentado


em 90% o montante dos seus impostos e taxas!).




Tudo isto por causa de uma falaciosamente denominada "contribuição


extraordinária de solidariedade" (CES), que começa em 3,5% e pode


chegar aos 50%. Um tributo que incidirá exclusivamente sobre as


pensões. Da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações.


Públicas e privadas. Obrigatórias ou resultantes de poupanças


voluntárias. De base contributiva ou não, tratando-se por igual as que


resultam de muitos e longos descontos e as que, sem esse esforço


contributivo, advêm de bónus ou remunerações indirectas e diferidas.




Nas pensões, o Governo resolveu que tudo o que mexe leva!


Indiscriminadamente. Mesmo - como é o caso - que não esteja previsto


no memorando da troika.




Esta obsessão pelos reformados assume, nalguns casos, situações


grotescas, para não lhes chamar outra coisa. Por exemplo, há poucos


anos, a Segurança Social disponibilizou a oferta dos chamados


"certificados de reforma" que dão origem a pensões complementares


públicas para quem livremente tenha optado por descontar mais 2% ou 4%


do seu salário. Com a CES, o Governo decide fazer incidir mais


impostos sobre esta poupança do que sobre outra qualquer opção de


aforro que as pessoas pudessem fazer com o mesmo valor… Ou seja, o


Estado incentiva a procura de um regime público de capitalização


(sublinho, público) e logo a seguir dá-lhe o golpe mortal. Noutros


casos, trata-se - não há outra maneira de o dizer - de um desvio de


fundos através de uma lei: refiro-me às prestações que resultam de


planos de pensões contributivos em que já estão actuarialmente


assegurados os activos que caucionam as responsabilidades com os


beneficiários. Neste caso, o que se está a tributar é um valor que já


pertence ao beneficiário, embora este o esteja a receber diferidamente


ao longo da sua vida restante. Ora, o que vai acontecer é o desplante


legal de parte desses valores serem transferidos (desviados), através


da dita CES, para a Caixa Geral de Aposentações ou para o Instituto de


Gestão Financeira da S. Social! O curioso é que, nos planos de pensões


com a opção pelo pagamento da totalidade do montante capitalizado em


vez de uma renda ou pensão ao longo do tempo, quem resolveu confiar


recebendo prudente e mensalmente o valor a que tem direito verá a sua


escolha ser penalizada. Um castigo acrescido para quem poupa.




Haverá casos em que a soma de todos os tributos numa cascata sem


decoro (IRS com novos escalões, sobretaxa de 3,5%, taxa adicional de


solidariedade de 2,5% em IRS, contribuição extraordinária de


solidariedade (CES), suspensão de 9/10 de um dos subsídios que começa


gradualmente por ser aplicado a partir de 600 euros de pensão mensal!)


poderá representar uma taxa marginal de impostos de cerca de 80%! Um


cataclismo tributário que só atinge reformados e não rendimentos de


trabalho, de capital ou de outra qualquer natureza! Sendo


confiscatório, é também claramente inconstitucional.




Aliás, a própria CES não é uma contribuição. É pura e simplesmente um


imposto. Chamarlhe contribuição é um ardil mentiroso. Uma contribuição


ou taxa pressupõe uma contrapartida, tem uma natureza sinalagmática ou


comutativa. Por isso, está ferida de uma outra inconstitucionalidade.




É que o já citado art.º 104.º da CRP diz que o imposto sobre o


rendimento pessoal é único. Estranhamente, os partidos e as forças


sindicais secundarizaram ou omitiram esta situação de flagrante


iniquidade. Por um lado, porque acham que lhes fica mal defender


reformados ou pensionistas desde que as suas pensões (ainda que


contributivas) ultrapassem o limiar da pobreza. Por outro, porque tem


a ver com pessoas que já não fazem greves, não agitam os media, não


têm lobbies organizados.




Pela mesma lógica, quando se fala em redução da despesa pública há uma


concentração da discussão sempre em torno da sustentabilidade do


Estado social (como se tudo o resto fosse auto-sustentável…). Porque,


afinal, os seus beneficiários são os velhos, os desempregados, os


doentes, os pobres, os inválidos, os deficientes… os que não têm voz


nem fazem grandiosas manifestações.




E porque aqui não há embaraços ou condicionantes como há com


parcerias público-privadas, escritórios de advogados, banqueiros,


grupos de pressão, estivadores. É fácil ser corajoso com quem não se


pode defender.




Foi lamentável que os deputados da maioria (na qual votei) tenham


deixado passar normas fiscais deste jaez mais próprias de um


socialismo fiscal absoluto e produto de obsessão fundamentalista,


insensibilidade, descontextualização social e estrita visão de curto


prazo do ministro das Finanças. E pena é que também o ministro da


Segurança Social não tenha dito uma palavra sobre tudo isto,


permitindo a consagração de uma medida que prejudica seriamente uma


visão estratégica para o futuro da Segurança Social. Quem vai a partir


de agora acreditar na bondade de regimes complementares ou da


introdução do "plafonamento", depois de ter sido ferida de morte a


confiança como sua base indissociável? Confiança que agora é violada


grosseiramente por ditames fiscais aos ziguezagues sem consistência,


alterando pelo abuso do poder as regras de jogo e defraudando


irreversivelmente expectativas legitimamente construídas com esforço e


renúncia ao consumo.




Depois da abortada tentativa de destruir o contributivismo com o


aumento da TSU em 7%, eis nova tentativa de o fazer por via desta nova


avalanche fiscal. E logo agora, num tempo em que o Governo diz querer


"refundar" o Estado Social, certamente pensando (?) numa cultura


previdencial de partilha de riscos que complemente a protecção


pública. Não há rumo, tudo é medido pela única bitola de mais e mais


impostos de um Estado insaciável.




Há ainda outro efeito colateral que não pode ser ignorado, antes deve


ser prevenido: é que foram oferecidos poderosos argumentos para


"legitimar" a evasão contributiva no financiamento das pensões.


"Afinal, contribuir para quê?", dirão os mais afoitos e atentos.




Este é mais um resultado de uma política de receitas "custe o que


custar" e não de uma política fiscal com pés e cabeça. Um abuso de


poder sobre pessoas quase tratadas como párias e que, na sua larga


maioria, já não têm qualquer possibilidade de reverter a situação. Uma


vergonha imprópria de um Estado de Direito. Um grosseiro conjunto de


inconstitucionalidades que pode e deve ser endereçado ao Tribunal


Constitucional. PS1: Com a antecipação em "cima da hora" da passagem


da idade de aposentação dos 64 para os 65 anos na função pública já em


2013 (até agora prevista para 2014), o Governo evidencia uma enorme


falta de respeito pela vida das pessoas. Basta imaginar alguém que


completa 64 anos em Janeiro do próximo ano e que preparou a sua vida


pessoal e familiar para se aposentar nessa altura.




No dia 31 de Dezembro, o Estado, através do OE, vai dizer-lhe que,


afinal, não pode aposentar-se. Ou melhor, em alguns casos até poderá


fazê-lo, só que com penalização, que é, de facto, o que cinicamente se


pretende com a alteração da lei. Uma esperteza que fica mal a um


Governo que se quer dar ao respeito.




PS2: Noutro ponto, não posso deixar de relevar uma anedota fiscal para


2013: uma larga maioria das famílias da classe média tornadas


fiscalmente ricas pelos novos escalões do IRS não poderá deduzir um


cêntimo que seja de despesas com saúde (que não escolhem,


evidentemente).




Mas, por estimada consideração fiscal, poderão deduzir uns míseros


euros pelo IVA relativo à saúde… dos seus automóveis pago às oficinas


e à saúde… capilar nos cabeleireiros. É comovente… Economista,


ex-ministro das Finanças




A propósito de liberdade e a pedido de muitos, aqui fica o contributo


enorme do Prof. Bagão Felix sobre o "primoroso Orçamento de Estado"


para 2013.


Ouso perguntar: Senhor Presidente da República, vai Vossa Excelência


ficar indiferente a este esbulho?

1 comentário:

SOL da Esteva disse...

Querida DAD


Originalidade, pelos piores motivos, é coisa que não nos falta.
Depois de deixar Portugal de "Tanga" (já antes se vislumbrava a trajectória), é um "ver se te avias". Cada um pior que o outro.
Será caso para "acordar" políticos que muito dormem á sombra do Povo. É que, Santa Comba Dão, só pelo seu nome, já os faz mexer fora da cova.
Tenho pena do Presidente. Já não tem com que pagar as suas contas. Coitadinho!

Desejaria que este Ano fosse de Esperança. Pelo menos da Esperança de nos vermos sacudidos do pó político que se levantou com as oportunidades da classe.
Há diferenças?

Beijos


SOL