quinta-feira, maio 30, 2013

ARTIGO DE MIGUEL SOUSA TAVARES


                                     COMPLETAMENTE BARALHADO




Maria - Oh Aníbal, já leste os jornais?Aníbal - Li.Maria - Leste a entrevista ao Sousa Tavares?... Aníbal - Oh Maria o Sousa Tavares já morreu.Maria - O filho…!Aníbal - Mas o nosso filho deu uma entrevista?Maria - Não! O filho do Sousa Tavares que morreu.Aníbal - Morreu o filho do Sousa Tavares???? Temos que mandar flores.Maria - F....... Aníbal, Vê se me entendes: O Miguel Sousa Tavares, filho do Sousa Tavares que morreu, deu uma entrevista!!!Aníbal - Ah!!! Aquele que é jornalista!!Maria - Sim e advogado.Aníbal - Nunca gostei de advogados… e muito menos de jornalistas. Desse Sousa Tavares não se aproveita nada!Maria - Sim ok! Foi esse que deu a entrevista.Aníbal - É interessante a Entrevista?Maria - Então tu não leste?Aníbal- Ando aqui às voltas com jornal que deve ser de ontem.Maria - Qual jornal?Aníbal - O Tal e Qual.Maria - Mas esse jornal fechou há uma série de anos…Aníbal - Foi? Bem que me estava a parecer estranho o Joaquim Letra estar tão bem conservado…Maria - Não há paciência Aníba! Presta atenção. O Sousa Tavares chamou-te palhaço!Aníbal - Foi? Que mal educado.Maria - É so isso que tens para dizer? Não vais fazer nada?Aníbal - Vou! Tenho o número de casa do pai. Vou lhe dizer para ver se põe o filho na ordem….Maria - Mas o Sousa Tavares já morreu.Aníbal - Mau Mau! Então como é que deu a entrevista?Maria - P... q.. p.... esta merda. Para o que estava guardada…Aníbal - Não precisas de te chatear. Se não conseguimos falar com o pai, falamos com a mãe… Conhece-la?Maria - Oh Anibal desce a terra. A mãe morreu há montes de anos!Aníbal - Não estava a falar da tua mãe!Maria - Nem eu f....-se! Estava a falar da mãe do Sousa Tavares, da Sophia de Mello Breyner.Aníbal - Sim. Essa mesmo. temos o número?Maria - Foda-se a mulher morreu!!! Percebes?Aníbal - Mais flores? Não temos dinheiro para isto…Maria - Esquece!Aníbal - Então e um tio dele?Maria - Um tio???? Qual tio?Aníbal - Por exemplo, aquele que é actor! O Sr. Contente!Maria - O Nicolau Breyner?Aníbal - Esse mesmo. temos o número dele?Maria - Mas por alma de quem é que vais ligar ao Nicolau Breyner?Aníbal - Para lhe fazer queixa do sobrinho.Maria - Mas o Sousa Tavares não é sobrinho do Nicolau Breyner? De onde te saiu essa ideia?Aníbal - Tem o apelido da mãe, mas foste tu que falaste nele… Maria - Pois! Tu também tens o mesmo apelido da Ivone Silva e ela não era tua tia, pois não?Aníbal - Quem é essa? Não estou a ver.Maria - Não estás ver e não vai ver porque também já morreu.Aníbal - F....-se! Mas o que é que se passa hoje? É só mortos!Maria - E eu devo ir a seguir…Aníbal - Não digas isso. É pecado.Maria - Pecado é ter que te aturar meu Palhaço. Ooops!!! Esquece a entrevista!
Miguel Sousa Tavares 

SE PASSOS COELHO FOSSE HONESTO

A REDUÇÃO das reformas e pensões são as piores, mais cruéis, e moralmente mais criminosas, das medidas de austeridade a que, sem culpa nem julgamento, fomos condenados pelo directório tecnocrático que governa o protectorado a que os nossos políticos reduziram Portugal.




Para os reformados e pensionistas, o ano de 2013 vai ser ainda pior do que este 2012. Os cortes vão manter-se ou crescer e, com o brutal aumento de impostos, a subida dos preços dos combustíveis, do gás e da electricidade, e o encarecimento de muitos bens essenciais, o rendimento disponível dos idosos será ainda menor.



Os aposentados são indefesos. Com a existência organizada em função dum determinado rendimento, para o qual se prepararam toda a vida, entregando ao Estado o estipulado para este fazer render e pagar-lhes agora o respectivo retorno, os reformados não têm defesa. São agora espoliados e, não tendo condições para procurar outras fontes de rendimento, apenas lhes resta, face à nova realidade que lhes criaram, não honrar os seus compromissos, passar frio, fome e acumular dívidas.



No resto da Europa, os velhos viram as suas reformas não serem atingidas e, em alguns casos, como sucedeu, por exemplo, em Espanha, serem até ligeiramente aumentadas. Portugal não é país para velhos. Os políticos devem pensar que os nossos velhos já estão mortos e que, no fim de contas, estamos todos mal enterrados...OS MONSTROS DE PORTUGAL !AI SE PASSOS COELHO FOSSE HONESTO !

SE Passos Coelho começasse por congelar as contas dos bandidos do seu partido que afundaram o país, era hoje um primeiro ministro que veio para ficar.



Se Passos Coelho congelasse as contas dos offshore de Sócrates que apenas se conhecem 380 milhões de euros ( falta o resto) era hoje considerado um homem de bem.



Se Passos Coelho tivesse despedido no primeiro dia da descoberta das falsas habilitações o seu amigo Relvas, era hoje um homem respeitado.



Se Passos Coelho começasse por tributar os grandes rendimentos dos tubarões, em vez de começar pela classe média baixa, hoje toda a gente lhe fazia um vénia ao passar.



Se Passos Coelho cumprisse o que prometeu, ou pelo menos tivesse explicado aos portugueses porque não o fez, era hoje um Homem com H grande.



Se Passos Coelho, tirasse os subsídios aos políticos quando os roubou aos reformados, era hoje um homem de bem. Se Passos Coelho tivesse avançado com o processo de Camarate, era hoje um verdadeiro Patriota.



Se Passos coelho reduzisse para valores decimais as fundações e os observatórios, era hoje um homem de palavra. Se Passos Coelho avançasse com uma Lei anti- corrupção de verdade doa a quem doer, com os tribunais a trabalharem nela dia e noite, era já hoje venerado como um Santo.

...etc etc etc.

MAS NÃO !!!!
PASSOS COELHO É HOJE VISTO COMO UM MENTIROSO, UM ALDRABÃO, UM YES MAN AO SERVIÇO DAS GRANDES EMPRESAS, DA SRª MERKEL, DE DURÃO BARROSO, DE CAVACO SILVA, MANIPULADO A TORTO E A DIREITO PELO MAIOR VIGARISTA DA HISTÓRIA DAS FALSAS HABILITAÇÕES MIGUEL RELVAS, E UM ROBOT DO ROBOT SEM ALMA E CORAÇÃO, VITOR GASPAR.

Joaquim Letria

segunda-feira, maio 27, 2013

COMUNICADO DO SINDICATO DOS PALHAÇOS





O Sindicato Nacional dos Palhaços, Histriões, Jograis, Bobos, Profissionais de Stand-up Comedy e Afins do Sul e Ilhas divulgou hoje um comunicado, que abaixo reproduzimos com a devida vénia e cambalhota:     O SNPHJBPSCASI, reunido de emergência este sábado para apreciar várias notícias que nos últimos dias têm sido divulgadas sobre as declarações do sr. Sousa Tavares acerca do sr. Cavaco Silva e sobre a abertura de um inquérito às mesmas pela Procuradoria-Geral da República, vem tornar público o seu mais veemente repúdio pelas palavras do sr. Sousa Tavares, que considera altamente ofensivas e baixamente lesivas do bom nome da classe que este sindicato representa, dada a comparação degradante que essas palavras estabelecem entre os genuínos profissionais da indústria espirituosa e o referido sr. Cavaco Silva, que não é nem nunca foi palhaço, não é membro do sindicato, não tem carteira profissional nem consta que jamais tenha feito alguém esboçar o mais leve sorriso.Como é do conhecimento geral, o sr. Cavaco Silva é um indivíduo que desconhece totalmente o que seja humor, graça ou espírito, razão pela qual carece em absoluto de habilitações para poder trabalhar na nossa indústria. Trata-se de uma pessoa carrancuda, mesquinha, bisonha, tristonha e enfadonha, logo completamente desqualificada e imprópria para consumo do público. Chamar palhaço ao sr. Cavaco Silva é tentar descaradamente fazer passar gato por lebre e, como tal, um atentado à saúde mental pública, facto para o qual o nosso sindicato não deixará de chamar a atenção da ASAE.O SNPHJBPSCASI aplaude as diligências encetadas pelo Ministério Público, na esperança de que esta grave ofensa à imagem, reputação e goodwill da nobre actividade histriónica dê origem a um processo contra o sr. Sousa Tavares, tanto mais que este senhor, em lugar de se retractar devidamente e apresentar um claro pedido de desculpas à nossa classe, apenas se desculpou pifiamente, ao declarar que foi “excessivo” chamar palhaço ao sr. Cavaco Silva. Ora o ambíguo e eufemístico termo “excessivo” fica muito aquém da justiça que nos é publicamente devida, pois o sr. Sousa Tavares deveria ter reconhecido que foi não “excessivamente”, mas sim tremenda e escandalosamente benevolente ao conceder o cobiçado título de palhaço ao deprimente, desinteressante e enfadonho sr. Cavaco Silva.

terça-feira, maio 21, 2013

segunda-feira, maio 20, 2013

Eu não sei como te chamas,

ó Maria Faia!

Nem que nome te hei-de eu dar,

Ó Maria Faia, ó Faia Maria

Não te quero chamar cravo, ó Maria Faia

ó Faia Maria!

Chamo-te antes espelho, ó Maria Faia

Onde espero de me ver, ó Maria Faia

Ó Faia Maria!

 

O meu amor abalou, ó Maria Faia

Deu-me uma linda despedida,

ó Maria Faia, ó faia Maria!

Abarcou-me a mão direita

ó Maria Faia,

Adeus, ó prenda querida!

ó Maria Faia, ó Faia Maria

 

Zeca Afonso

canções de zeca afonso

Balada Do Outono

Zeca Afonso

Águas passadas do rio

Meu sono vazio

Não vão acordar

Águas das fontes calai

Ó ribeiras chorai

Que eu não volto a cantar



Rios que vão dar ao mar

Deixem meus olhos secar

Águas das fontes calai

Ó ribeiras chorai

Que eu não volto A cantar



Águas do rio correndo

Poentes morrendo

P'ras bandas do mar

Águas das fontes calai

Ó ribeiras chorai

Que eu não volto A cantar



Rios que vão dar ao mar

Deixem meus olhos secar

Águas das fontes calai

Ó ribeiras chorai

Que eu não volto
 A cantar



terça-feira, maio 07, 2013

A MORTE SAIU À RUA

A Morte Saiu à Rua


Zeca Afonso


A morte saiu à rua num dia assim


Naquele lugar sem nome para qualquer fim


Uma gota rubra sobre a calçada cai


E um rio de sangue de um peito aberto sai




O vento que dá nas canas do canavial


E a foice duma ceifeira de Portugal


E o som da bigorna como um clarim do céu


Vão dizendo em toda a parte o Pintor morreu




Teu sangue, Pintor, reclama outra morte igual


Só olho por olho e dente por dente vale


À lei assassina, à morte que te matou


Teu corpo pertence à terra que te abraçou




Aqui te afirmamos dente por dente assim


Que um dia rirá melhor quem rirá por fim


Na curva da estrada à covas feitas no chão


E em todas florirão rosas de uma nação


Zeca Afonso

quinta-feira, maio 02, 2013

A INVENÇÃO DO AMOR

Em todas as esquinas da cidade

nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas janelas dos autocarros

mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e detergentes

na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém

no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da nossa esperança de fuga

um cartaz denuncia o nosso amor.

Em letras enormes do tamanho

do medo da solidão da angústia

um cartaz denuncia que um homem e uma mulher

se encontraram num bar de hotel

numa tarde de chuva

entre zunidos de conversa

e inventaram o amor com carácter de urgência

deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidiana





Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração

e fome de ternura

e souberam entender-se sem palavras inúteis



Apenas o silêncio A descoberta A estranheza

de um sorriso natural e inesperado



Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna

Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente

Embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta

de um amor subitamente imperativo



Um homem uma mulher um cartaz de denúncia

colado em todas as esquinas da cidade



A rádio já falou A TV denúncia

iminente a captura A policia de costumes avisada

procura as dois amantes nos becos e avenidas



Onde houver uma flor rubra e essencial

é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta

fechada para o mundo



É preciso encontrá-los antes que seja tarde

Antes que o exemplo frutifique

Antes que a invenção do amor se processe em cadeia



Há pesadas sanções paras os que auxiliarem os fugitivos



Chamem as tropas aquarteladas na província

convoquem os reservistas os bombeiros os elementos da defesa passiva



Todos



Decrete-se a lei marcial com todas as suas consequências

O perigo justifica-o



Um homem e uma mulher

conheceram-se amaram-se perderam-se no labirinto da cidade

É indispensável encontrá-los dominá-los convencê-los

antes que seja demasiado tarde

e a memória da infância nos jardins escondidos

acorde a tolerância no coração das pessoas



Fechem as escola

Sobretudo protejam as crianças da contaminação

Uma agência comunica que algures ao sul do rio

um menino pediu uma rosa vermelha

e chorou nervosamente porque lha recusaram

Segundo o director da sua escola é um pequeno triste

Inexplicavelmente dado aos longos silêncios e aos choros sem razão

Aplicado no entanto Respeitador da disciplina

Um caso típico de inadaptação congénita disseram os psicólogos

Ainda bem que se revelou a tempo

Vai ser internado

e submetido a um tratamento especial de recuperação



Mas é possível que haja outros. É absolutamente vital

que o diagnóstico se faça no período primário da doença

E também que se evite o contágio com o homem e a mulher

de que se fala no cartaz colado em todas as esquinas da cidade.

Está em jogo o destino da civilização que construímos

o destino das máquinas das bombas de hidrogénio

das normas de discriminação racial

o futuro da estrutura industrial de que nos orgulhamos

a verdade incontroversa das declarações políticas.

Procurem os guardas dos antigos universos concentracionários

precisamos da sua experiência onde: quer que se escondam

ao temor do castigo.

Que todos estejam a postos

Vigilância é a palavra de ordem

Atenção ao homem e à mulher de que se fala nos cartazes

À mais ligeira dúvida não hesitem denunciem

Telefonem à policia ao comissariado ao Governo Civil

não precisam de dar o nome e a morada

e garante-se que nenhuma perseguição será movida

nos casos em que a denúncia venha a verificar-se falsa.

Organizem em cada bairro em cada rua em cada prédio

comissões de vigilância. Está em jogo a cidade

o país a civilização do ocidente

esse homem e essa mulher têm de ser presos

mesmo que para isso tenhamos de recorrer às medidas mais drásticas.

Por decisão governamental estão suspensas as liberdades individuais

a inviolabilidade do domicílio o habeas corpus o sigilo da correspondência

Em qualquer parte da cidade um homem e uma mulher amam-se ilegalmente

espreitam a rua pelo intervalo das persianas

beijam-se soluçam baixo e enfrentam a hostilidade nocturna.

É preciso encontrá-los

É indispensável descobri-los

Escutem cuidadosamente a todas as portas antes de bater

É possível que cantem

Mas defendam-se de entender a sua voz.

Alguém que os escutou

deixou cair as armas e mergulhou nas mãos o rosto banhado de lágrimas

E quando foi interrogado em Tribunal de Guerra

respondeu que a voz e as palavras o faziam feliz

Lhe lembravam a infância

Campos verdes floridos Água simples correndo A brisa nas montanhas.

Foi condenado à morte é evidente

É preciso evitar um mal maior

Mas caminhou cantando para o muro da execução

foi necessário amordaçá-lo e mesmo assim desprendia-se dele

um misterioso halo de uma felicidade incorrupta.

Impõe-se sistematizar as buscas Não vale a pena procurá-los

nos campos de futebol no silêncio das igrejas nas boites com orquestra privativa

Não estarão nunca aí

Procurem-nos nas ruas suburbanas onde nada acontece

A identificação é fácil.

Onde estiverem estará também pousado sobre a porta

um pássaro desconhecido e admirável

ou florirá na soleira a mancha vegetal de uma flor luminosa,



Será então aí



Engatilhem as armas invadam a casa disparem à queima roupa

Um tiro no coração de cada um

Vê-los-ão possivelmente dissolver-se no ar Mas estará completo o esconjuro

e podereis voltar alegremente para junto dos filhos da mulher



Mais ai de vós se sentirdes de súbito o desejo de deixar correr o pranto

Quer dizer que fostes contagiados Que estais também perdidos para nós

É preciso nesse caso ter coragem para desfechar na fronte

o tiro indispensável

Não há outra saída A cidade o exige

Se um homem de repente interromper as pesquisas

e perguntar quem é e o que faz ali de armas na mão

já sabeis o que tendes a fazer Matai-o Amigo irmão que seja

matai-o Mesmo que tenha comido à vossa mesa e crescido a vosso lado

matai-o Talvez que ao enquadrá-lo na mira da espingarda

os seus olhos vos fitem com sobre-humana náusea

e deslizem depois numa tristeza liquida

até ao fim da noite Evitai o apelo a prece derradeira

um só golpe mortal misericordioso basta

para impor o silêncio secreto e inviolável



Procurem a mulher o homem que num bar

de hotel se encontraram numa tarde de chuva

Se tanto for preciso estabeleçam barricadas

senhas salvo-condutos horas de recolher

censura prévia à Imprensa tribunais de excepção

Para bem da cidade do país da cultura

é preciso encontrar o casal fugitivo

que inventou o amor com carácter de urgência



Os jornais da manhã publicam a notícia

de que os viram passar de mãos dadas sorrindo

numa rua serena debruada de acácias

Um velho sem família a testemunha diz

ter sentido de súbito uma estranha paz interior

uma voz desprendendo um cheiro a primavera

o doce bafo quente da adolescência longínqua

No inquérito oficial atónito afirmou

que o homem e a mulher tinham estrelas na fronte

e caminhavam envoltos numa cortina de música

com gestos naturais alheios Crê-se

que a situação vai atingir o climax

e a polícia poderá cumprir o seu dever



Um homem uma mulher um cartaz de denúncia

A voz do locutor definitiva nítida

Manchetes cor de sangue no rosto dos jornais



É PRECISO ENCONTRÁ-LOS ANTES QUE SEJA TARDE



Já não basta o silêncio a espera conivente o medo inexplicado

a vida igual a sempre conversas de negócios

esperanças de emprego contrabando de drogas aluguer de automóveis

Já não basta ficar frente ao copo vazio no café povoado

ou marinheiro em terra afogar a distância

no corpo sem mistério, da prostituta anónima

Algures no labirinto da cidade um homem e uma mulher

amam-se espreitam a rua pelo intervalo das persiana

constroem com urgência um universo do amor

E é preciso encontrá-los E é preciso encontrá-los



Importa perguntar em que rua se escondem

em que lugar oculto permanecem resistem

sonham meses futuros continentes à espera

Em que sombra se apagam em que suave e cúmplice

abrigo fraternal deixam correr o tempo

de sentidos cerrados ao estrépito das armas

Que mãos desconhecidas apertam as suas

no silêncio pressago da cidade inimiga



Onde quer que desfraldem o cântico sereno

rasgam densos limites entre o dia e a noite



E é preciso ir mais longe

destruir para sempre o pecado da infância

erguer muros de prisão em círculos fechados

impor a violência a tirania o ódio



Entanto das esquinas escorre em letras enormes

a denúncia total do homem da mulher

que no bar em penumbra numa tarde de chuva

inventaram o amor com carácter de urgência



COMUNICADO GOVERNAMENTAL À IMPRENSA



Por diversas razões sabe-se que não deixaram a cidade

o nosso sistema policial é óptimo estão vigiadas todas as saídas

encerramos o aeroporto patrulhamos os cais

há inspectores disfarçados em todas as gares de caminhos de ferro



É na cidade que é preciso procurá-los

incansavelmente sem desfalecimentos

Uma tarefa para um milhão de habitantes

todos são necessários

todos são necessários

Não sem preocupem com os gastos a Assembleia votou um crédito especial

e o ministro das Finanças

tem já prontas as bases de um novo imposto de Salvação Pública



Depois das seis da tarde é proibido circular

Avisa-se a população de que as forças da ordem

atirarão sem prevenir sobre quem quer que seja

depois daquela hora Esta madrugada por exemplo

uma patrulha da Guarda matou no Cais da Areia

um marinheiro grego que regressava ao seu navio



Quando chegaram junto dele acenou aos soldados

disse qualquer coisa em voz baixa e fechou os olhos e morreu

Tinha trinta anos e uma família à espera numa aldeia do Peloponeso

O cônsul tomou conhecimento da ocorrência e aceitou as desculpas

do Governo pelo engano cometido

Afinal tratava-se apenas de um marinheiro qualquer

Todos compreenderam que não era caso para um protesto diplomático

e depois o homem e a mulher que a policia procura

representam um perigo para nós e para a Grécia

para todos os países do hemisfério ocidental

Valem bem o sacrifício de um marinheiro anónimo

que regressava ao seu navio depois da hora estabelecida

sujo insignificante e porventura bêbado



SEGUE-SE UM PROGRAMA DE MÚSICA DE DANÇA



Divirtam-se atordoem-se mas não esqueçam o homem e a mulher

Escondidos em qualquer parte da cidade

Repete-se é indispensável encontrá-los

Um grupo de cidadãos de relevo ofereceu uma importante recompensa

destinada a quem prestar informações que levem à captura do casal fugitivo

Apela-se para o civismo de todos os habitantes

A questão está posta É preciso resolvê-la

para que a vida reentre na normalidade habitual

Investigamos nos arquivos Nada consta

Era um homem como qualquer outro

com um emprego de trinta e oito horas semanais

cinema aos sábados à noite

domingos sem programa

e gosto pelos livros de ficção cientifica

Os vizinhos nunca notaram nada de especial

vinha cedo para casa

não tinha televisão,

deitava-se sobre a cama logo após o jantar

e adormecia sem esforço



Não voltou ao emprego o quarto está fechado

deixou em meio as «Crónicas marcianas»

perdeu-se precipitadamente no labirinto da cidade

à saída do hotel numa tarde de chuva

O pouco que se sabe da mulher autoriza-nos a crer

que se trata de uma rapariga até aqui vulgar

Nenhum sinal característico nenhum hábito digno de nota

Gostava de gatos dizem Mas mesmo isso não é certo

Trabalhava numa fábrica de têxteis como secretária da gerência

era bem paga e tinha semana inglesa

passava as férias na Costa da Caparica.

Ninguém lhe conhecia uma aventura

Em quatro anos de emprego só faltou uma vez

quando o pai sofreu um colapso cardíaco

Não pedia empréstimos na Caixa Usava saia e blusa

e um impermeável vermelho no dia em que desapareceu.

Esperam por ela em casa: duas cartas de amigas

o último número de uma revista de modas

a boneca espanhola que lhe deram aos sete anos

Ficou provado que não se conheciam

Encontraram-se ocasionalmente num bar de hotel numa tarde de chuva

sorriram inventaram o amor com carácter de urgência

mergulharam cantando no coração da cidade.

Importa descobri-los onde quer que se escondam

antes que seja demasiado tarde

e o amor como um rio inunde as alamedas

praças becos calçadas quebrando nas esquinas.

Já não podem escapar Foi tudo calculado

com rigores matemáticos Estabeleceu-se o cerco

A policia e o exército estão a postos Prevê-se

para breve a captura do casal fugitivo.

(Mas um grito de esperança inconsequente vem

do fundo da noite envolver a cidade

au bout du chagrin une fenêtre ouverte

une fenêtre eclairée).



DANIEL FILIPE (1925-1964)

Poeta caboverdiano