sábado, fevereiro 12, 2011

OS PROVINCIANOS- por José António Saraiva



O PROCESSO chamado 'Face Oculta' tem as suas raízes longínquas num fenómeno que podemos designar por 'deslumbramento'. Muitos dos envolvidos no caso, a começar por Armando Vara, são pessoas nascidas na Província que vieram para Lisboa, ascenderam a cargos políticos de relevo e se deslumbraram. Deslumbraram-se, para começar, com o poder em si próprio. Com o facto de mandarem, com os cargos que podiam distribuir pelos amigos, com a subserviência de muitos subordinados, com as mordomias, com os carros pretos de luxo, com os chauffeurs, com os salões, com os novos conhecimentos. Deslumbraram-se, depois, com a cidade. Com a dimensão da cidade, com o luxo da cidade, com as luzes da cidade, com os divertimentos da cidade, com as mulheres da cidade. ORA, para homens que até aí tinham vivido sempre na Província, que até aí tinham uma existência obscura, limitada, ligados às estruturas partidárias locais, este salto simultâneo para o poder político e para a cidade representou um cocktail explosivo. As suas vidas mudaram por completo. Para eles, tudo era novo - tudo era deslumbrante.
Era verdadeiramente um conto de fadas - só que aqui o príncipe encantado não era um jovem vestido de cetim mas o poder e aquilo que ele proporcionava. Não é difícil perceber que quem viveu esse sonho se tenha deixado perturbar. CURIOSAMENTE, várias pessoas ligadas a este processo 'Face Oculta' (e também ao 'caso Freeport') entraram na política pela mão de António Guterres, integrando os seus Governos. Armando Vara começou por ser secretário de Estado da Administração Interna, José Sócrates foi secretário de Estado do Ambiente, José Penedos foi secretário de Estado da Defesa e da Energia, Rui Gonçalves foi secretário de Estado do Ambiente. Todos eles tiveram um percurso idêntico. E alguns, como Vara e Sócrates, pareciam irmãos siameses: Naturais de Trás-os-Montes, vieram para o poder em Lisboa, inscreveram-se na universidade, licenciaram-se, frequentaram mestrados. Sentindo-se talvez estranhos na capital, procuraram o reconhecimento da instituição universitária como uma forma de afirmação pessoal e de legitimação do estatuto. A QUESTÃO que agora se põe é a seguinte: por que razão estas pessoas apareceram todas na política ao mais alto nível pela mão de António Guterres? A explicação pode estar na mudança de agulha que Guterres levou a cabo no Partido Socialista. Guterres queria um PS menos ideológico, um PS mais pragmático, mais terra-a-terra. Ora estes homens tinham essas qualidades: eram despachados, pragmáticos, activos, desenrascados.
E isso proporcionou-lhes uma ascensão constante nos meandros do poder. Só que, a par dessas inegáveis qualidades, tinham também defeitos. Alguns eram atrevidos em excesso. E esse atrevimento foi potenciado pelo tal deslumbramento da cidade e pela ascensão meteórica. QUANDO o PS perdeu o poder, estes homens ficaram momentaneamente desocupados. Mas, quando o recuperaram, quiseram ocupá-lo a sério. Montaram uma rede para tomar o Estado. José Sócrates ficou no topo, como primeiro-ministro, Armando Vara tornou-se o homem forte do banco do Estado - a CGD -, com ligação directa ao primeiro-ministro, José Penedos tornou-se presidente da Rede Eléctrica Nacional, etc. Ou seja, alguns secretários de Estado do tempo de Guterres, aqueles homens vindos da Província e deslumbrados com Lisboa, eram agora senhores do país. MAS, para isso ser efectivo, perceberam que havia uma questão decisiva: o controlo da comunicação social. Obstinaram-se, assim, nessa cruzada. A RTP não constituía preocupação, pois sendo dependente do Governo nunca se portaria muito mal. Os privados acabaram por ser as primeiras vítimas. O Diário Económico, que estava fora de controlo e era consumido pelas elites, mudou de mãos e foi domesticado. O SOL foi objecto de chantagem e de uma tentativa de estrangulamento
através do BCP (liderado em boa parte por Armando Vara). A TVI, depois de uma tentativa falhada de compra por parte da PT, foi objecto de uma 'OPA', que determinou a saída de José Eduardo Moniz e o afastamento dos ecrãs de Manuela Moura Guedes. O director do Público foi atacado em público por Sócrates - e, apesar da tão propalada independência do patrão Belmiro de Azevedo, acabou por ser substituído. A Controlinvest, de Joaquim Oliveira (que detém o JN, o DN, o 24 Horas, a TSF) está financeiramente dependente do BCP, que por sua vez depende do Governo. SUCEDE que, na sua ascensão política, social e económica, no seu deslumbramento, algumas destas pessoas de quem temos vindo a falar foram deixando rabos-de-palha. É quase inevitável que assim aconteça. O caso da Universidade Independente, o Freeport, agora o 'Face Oculta', são exemplos disso - e exemplos importantes da rede de interesses que foi sendo montada para preservar o poder, obter financiamentos partidários e promover a ascensão social e o enriquecimento de alguns dos seus membros. É isso que agora a Justiça está a tentar desmontar: essa rede de interesses criada por esse grupo em que se incluem vários "boys" de Guterres. Consegui-lo-á? Não deixa de ser triste, entretanto, ver como está a acabar esta história para alguns senhores que um dia se deslumbraram com a grande cidade. Esta é a forma mais eloquente de definir um parolo provinciano com tiques de malandro, mas sempre de mão estendida, pior que os arrumadores que uma vez na vida se revelam minimamente úteis independentemente do ar miserável como se apresentam e se comportam quando não se lhes dá a famigerada moedinha.

4 comentários:

Laura disse...

Olá, já é tarde mas não queria ir embora sem te deixar um ji de boa noite, o jornal é enorme para ler agora.
Um beijinho da laura

Paixão Lima disse...

OS PROVINCIANOS - Para o sr. Saraiva, os provincianos são todos aqueles que vivem em Lisboa, mas que não nasceram em Lisboa. É suposto, portanto, que a maior parte dos habitantes da cidade de Lisboa são provincianos ou de origem provinciana, o que prova a existência dum núcleo de lisboetas geneticamente puros, uma espécie de arianos, a raça superior proclamada e cantada pelo sr.Adolfo Hitler. Há que preservar essa elite rácica do contágio com as raças inferiores, nomeadamente com os provincianos «deslumbrados» com a «grande cidade», «parolos», «com tiques de malandro» e que andam sempre a estender a mão a pedir uma moedinha como os arrumadores de carros. O Sr Saraiva não é racista, quero crer, mas não gosta dos provincianos. Os gostos são de cada um e devem ser respeitados. Mas neste texto, o Sr Saraiva não se inibe de apontar o dedo, criticar, acusar uns tantos ou quantos «provincianos». Não tenho procuração para defender nenhum dos provincianos apontados, mas julgo prematuro acusar sem que nada tenha sido provado nos tribunais.
Pelo que tenho a forte convicção que este texto do Sr. Saraiva não passou duma indelével tempestade de verão ou de uma saraivada brusca, ruidosa, mas breve que o bom tempo logo fez esquecer.
Assino-me : um provinciano.

Santos Oliveira disse...

DAD

Os percursos estão descritos e são conhecidos.
O resultado final é que pode vir a surpreender, tanto pela morosidade de investigação/prova, como da decisão; e já somos habituados que, daqueles lados, tudo fica mais na mesma, ou com leveza de penas que é para esquecer depressa.

Ser "boy" é...

BJS
Santos Oliveira

Kim disse...

Estou mais preocupado com o acordo ortográfico.
Faz-me "fornicoques".
Beijinho Dad