quarta-feira, março 16, 2005

O ESTADO DE ESPIRITO DO MEU AMIGO SANTOS

O meu amigo Santos é um Homem de bem! Um grande Homem! Tem direito às ideias que tem pois vive de bem com a vida e com os outros! Divagou sobre o seu estado de espírito e eu acho que, apesar de cada um de nós ter posicionamentos perante a vida e a morte diferentes, merece ser lido no meu Blog porque o seu discurso é absolutamente honesto, cheio de poesia e criatividade e pode servir de exemplo para os meus leitores que, com idades semelhantes, já não conseguem encontrar prazer na arte de viver e de algum modo desistiram do belo que é acreditar sempre na maravilha que é VIVER! E a vida é uma coisa bonita de mais para ser desperdiçada em lamúrias. Obrigada Santos! Aí vai o texto:

Estado de Espírito

Nascido em condições adversas e local agreste, a minha vida começou há sessenta e sete anos, como que inserida numa torrente de montanha em queda tumultuosa.
Tendo amiúde escapado ao desastre, encontro-me há algum tempo na fase do percurso em que passado o sopé, a corrente perde a sua impetuosidade e se espraia, langorosa, pela planície adiante.
Eu, que até então mal pudera abrir os olhos, comecei a olhar ao redor e a sentir a felicidade que proporciona descobrir o céu e as nuvens, a lua e as estrelas.
O meu espírito que passou parte da vida a correr sobre as águas, hoje que encontrou a paz, detesta correrias e, deliciado, eu deixo o acaso determinar o meu caminho.
Sinto que mereço desfrutar desta felicidade calma em que disponho do suficiente para saciar a minha fome, tenho a casa que me agrada, uma jovem família que me aceita, amigos que me toleram e uma mulher que me adora.
Na corrente tranquila que agora me arrasta, acontece por vezes que um tronco apressado me abalroa e me deixa abalado, mas a ciência e a sociedade acautelam a minha saúde, preservam a minha liberdade e autorizam-me alguns vinténs para satisfazer os pequenos caprichos que ajudam à nossa felicidade.
Pelo caminho que lentamente me conduz ao largo, olho o mundo e acho-o delicioso.
Como eu entendo os Gauleses quando eles temiam que o céu lhes caísse em cima!
Eu estou certo que o céu está seguro e o meu temor não se relaciona com a queda do céu, mas sim com a nossa subida até lá:
É que, são tantas as divindades sobre a Terra e vejo tantos infelizes entre os seus crentes que não sei para que Deus me virar e, por receio que haja entre eles um verdadeiro que atente na minha felicidade e me chame para junto de si, não rezo a nenhum.
Contudo, se alguma vez rezasse, pediria encarecidamente a Deus Pai, ao Cristo — seu filho— e ao divino Espírito Santo, que tão pouco caso fazem dos Homens, que esquecessem, para todo o sempre, as existências: de minha mulher e a minha.
Na minha prece, explicar-lhes-ia que, tendo — após muitos anos de lutas— conquistado a felicidade na Terra de acordo com a nossa natureza de humanos, não poderíamos — nem ela, nem eu— ir viver para o céu onde, convertidos em anjos e ocupados em infinitas rezas, seríamos imensamente infelizes, integrados numa corte de santos bajuladores e de enfadonhos padres e freiras, exclusivamente dedicados a satisfazer os caprichos tirânicos de deuses enigmáticos e inumanos.

4 comentários:

Anónimo disse...

Simplesmente Fabuloso. Não fará muito prazer aos homens da Igreja mas fará prazer aos homens da Terra. O teu amigo Santos a partir deste momento é amigo de todos os teus amigos.

Suor do Xisto

Anónimo disse...

Assim é que é! Os amigos dos nossos amigos, nossos amigos são! E olha, Suor do Xisto, vocês os dois iam entender-se!São dois homens inteligentes!

Beijinho Dad

Anónimo disse...

palavras bonitas as do "amigo santos"!
só é pena que a sua felicidade seja ensombrada por um "céu"que imagina à semelhança da terra!
se puder pense nisto:
ao criar um filho, fazemos por ele tudo o que consideramos ser o melhor e ensinamos-lhe o bem.
ao crescer, o filho torna-se independente e segue o seu próprio caminho.
se ele não escolher o caminho do bem, será que nós o podemos impedir?

Anónimo disse...

Nós pais plantamos a semente que nos parece ser a mais profícua, a melhor, mas existe o livre arbítrio, não é? Cada qual acaba por fazer da sua vida aquilo que for capaz de fazer. Nós pais, temos o "complexo" de, se alguma coisa não corre bem com os nossos filhos, culparmo-nos constantemente!Eu também já fui assim! Ás vezes, ainda sou! Acho que temos que nos libertar desse peso e deixar que as flores que eles são e que nós plantámos, têm que crescer e desenvolver-se da forma que lhes for possível, embora, muitas vezes, nós achemos que não é a mais apropriada.Quando ganhámos um filho, de algum modo, caímos na tentação de tentar programar-lhe um projecto de vida, visto pelos nossos olhos, olhos que não são os deles! Nós pomos os filhos no mundo, mas eles não são nossos, são individualidades próprias que têm que gerir o seu próprio caminho!
A todos os pais preocupados, uma abraço desta mãe que apesar do que escreveu, também anda sempre preocupada! Puxa que este dilema entre o coração e a razão, é obra!

Abração!
Maria Lagos