recordar Daniel Filipe
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Em todas as esquinas da cidadenas paredes dos bares à porta dos edifícios públicosnas janelas dos autocarrosmesmo naquele muro arruinadopor entre anúncios de aparelhos de rádio e detergentesna vitrine da pequena loja onde não entra ninguémno átrio da estação de caminhos de ferroque foi o lar da nossa esperança de fugaum cartaz denuncia o nosso amor
Em letras enormesdo tamanho do medo da solidãoda angústiaum cartaz denuncia que um homem e uma mulherse encontraram num bar de hotelnuma tarde de chuvaentre zunidos de conversae inventaram o amor com caracter de urgênciadeixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidianaUm homem e uma mulherque tinham olhos e coração e fome de ternurae souberam entender-se sem palavras inúteisApenas o silêncioA descobertaA estranheza de um sorriso natural e inesperadoNão saíram de mãos dadas para a humidade diurnaDespediram-se e cada um tomou um rumo diferenteembora subterraneamente unidos pela invenção conjuntade um amor subitamente imperativoUm homem e uma mulher um cartaz de denuncia colado em todas as esquinas da cidadeA rádio já falouA TV anuncia iminente a captura A policia de costumes avisadaprocura os dois amantes nos becos e nas avenidasOnde houver uma flor rubra e essencialé possível que se escondamtremendo a cada batida na porta fechada para o mundoÉ preciso encontrá-los antes que seja tardeAntes que o exemplo frutifique Antes que a invenção do amor se processe em cadeia!
Há pesadas sanções para os que auxiliarem os fugitivosChamem as tropas aquarteladas na provínciaConvoquem os reservistas os bombeiros os elementos da defesa passivaTodos!Decrete-se a lei marcial com todas as consequênciasO perigo justifica-oUm homem e uma mulherconheceram-se, amaram-se, perderam-se no labirinto da cidade
É indispensável encontrá-los dominá-los convencê-losantes que seja tardee a memória da infância nos jardins escondidosacorde a tolerância no coração das pessoasDaniel Filipe
(in A INVENÇÃO DO AMOR-excerto)
As flores... tão belas e frágeis...frágeis, como quase tudo o queencontramos de belo, na vida... 
De um amigo meu, grande poeta português, o poema que transcrevo:FRÁGEIS COMO FLORES SELVAGENS
ROMPEMOS O ÚTERO MATERNAL
NA PRESSA DE CHEGAR
AO JARDIM PROMETIDO DAS ILUSÕES
À TERRA DILACERADA POR ESPINHOS
DE DORIDAS RUBRAS ROSAS
QUE FAZEM DE NÓS OUTROS PROMETEUS
A EMPUNHAR A CHAMA OLÍMPICA DE ZEUS.André Moa
Lol
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Monge sofre.....tadinho....Um monge entra para uma austera ordem onde os irmãos têm o mínimo de comida
e de roupa e apenas podem dizer duas palavras por ano.
No final do primeiro ano, o monge é recebido pelo abade:
- Meu filho - diz o abade, - já cá estás há um ano e tens direito a proferir
duas palavras. Quais é que vão ser?
- Tenho frio - respondeu o monge.
Mais um ano passa, e o monge vai ver o abade novamente:
- Já cá estás há dois anos e tens direito a mais duas palavras. Quais são?
- Tenho fome - respondeu o monge.
No final do terceiro ano, o monge vai ver o abade mais uma vez:
- Há três anos que aqui estás, meu filho. Tens direito a mais duas palavras.
Quais são?
- Vou-me embora - diz o monge.
- Graças a Deus - diz o abade. - Não fizeste outra coisa senão queixar-te
desde que cá chegaste!
Vem... 
Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamosQue a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.(Enlacemos as mãos.)Depois pensemos, crianças adultas, que a vidaPassa e não fica, nada deixa e nunca regressa,Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,Mais longe que os deuses.Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.Mais vale saber passar silenciosamenteE sem desassossegos grandes.Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,E sempre iria ter ao mar.Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outroOuvindo correr o rio e vendo-o.Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-asNo colo, e que o seu perfume suavize o momento-Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,Pagãos inocentes da decadência.Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depoisSem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamosNem fomos mais do que crianças.E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,Pagã triste e com flores no regaço.Ricardo Reis, em 1914 (Fernando Pessoa)
Natureza em fúria
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Choro por aquilo que vejo nos ecrans da televisão;no país do grande senhor, pseudo dono do mundo, negador da assinatura do Protocolo de Kyoto!
Nova Orleans é um cenário de devastação, de pedidos de socorro, de gritos dos vivos, de choros pelos desaparecidos, pelos mortos.Calaram-se os saxofones; os jazz singers que fizeram dela uma cidade especial emudeceram. O sofrimento ultrapassou tudo. A cidade agoniza...O Presidente da Câmara de N.Orleans acusa o Governo de falta de compreensão do que está a acontecer. Aponta o dedo ao Governo e o Governo vai ouvindo e assistindo ao resultado da catástrofe com uma resposta lenta...lenta...
Cinco dias passaram desde que o Katrina desfez tudo... e as medidas necessárias não foram tomadas.
Cinco dias de terror e de dôr sem resposta rápida!Cinco dias de sofrimento atroz...para a cidade e para o mundo. A Terra revolta-se e grita!
Até quando se passará por cima dos danos que se fazem à natureza e à resposta desta?
Até quanto a leitura política do comportamento de um Governo que passa por cima das regras aceites pela maioria dos países, e continua a ser o maior poluidor do Mundo?